4.02.2008

Necessidade

_Cansei dessa vida! – pensou ela enquanto lavava a louça suja do almoço. Cansei mesmo, pra mim já chega. – E com um movimento rápido jogou três pratos no chão com ódio.
Renato que estava vendo televisão placidamente na sala chegou logo, vermelho, desconcertado.
_Caralho mulher, você está maluca? O que é isso?
_ Eu não to maluca Renato, não me chama de maluca! Eu cansei, quero ir embora, cansei dessa vida merda que nós levamos, que eu levo.
_E por causa disso você resolveu quebrar a louça da casa? Você sabe quanto…
_Quanto esta merda te custou? Sei! Claro que sei! Você paga por ela! Eu sei que você paga por tudo nessa casa!
_Você enlouqueceu? É isso? Ta de TPM?
_Pára de me chamar de maluca, seu merda! Eu não sou maluca, e também não vou ficar aqui me vendendo pra você! Você acha o quê? Que eu preciso de você pra continuar viva, só porque você paga as contas e me sustenta? Pois bem, eu não preciso! Eu sou uma escritora! E não é porque eu não ganho um salário estável que eu não consigo me sustentar!
_É, você tem razão, eu tenho visto como você se sustenta bem com seu “salário”.
_Cala a boca! Eu não sou uma prostituta! Não sou um brinquedo que você paga pra manter próximo! Você acha que eu não sei? Você me mostrando pros seus amigos em festas: “Sabe aquela gostosa ali? Então, é aquela que escreveu naquela coletânea de contos, aquela badalada, que todo mundo fala, pois é, mora comigo, eu pago tudo e ela fode que é uma beleza”. Eu sei, eu sei que você me apresenta assim pelas costas, a agradecida, a que te chupa pra agradecer as contas que você pagou! Eu não sou uma prostituta, você não pode pagar pra me ter.
_Quer saber? Cansei de você! Você é maluca, louca, cheia de altos e baixos, mas que merda! Eu sustento essa casa, você, seus luxos de escritorazinha e você ainda vem falar que te trato como uma qualquer? Você não faz mais do que obrigação me chupando todo dia, é o mínimo que uma esposa inútil como você pode fazer pra me tornar mais feliz.
_Vai embora Renato! Cala a boca! Ou melhor, eu vou embora. Você acha que eu não consigo me sustentar? Eu consigo, meus textos são bons pra cacete, e eu tenho talento, logo eu arranjo um emprego escrevendo pra um jornal foda aí e você nunca mais vai ouvir falar meu nome.
_Eu vou sair. Não agüento mais você assim nessa TPM maldita. Fica aí arruma essa porra dessa cozinha e eu vejo se volto hoje.
E com um estrondo saiu porta afora.
Deixou que ela ficasse sozinha, e o pior, saiu com a última palavra, como se ele fosse o certo, ela ainda gritou um “você é um corno!”, mas ele não ouviu. Já tinha saído. E última palavra dada pelas costas desse jeito não vale.
Ficou puta. Abriu a geladeira e pegou a garrafa de vinho que estava pela metade e esvaziou em menos de 15 minutos.
_Merda! Merda! Merda! – ela só pensava isso enquanto bebia aos goles e sentia o álcool amaciar sua carne e entorpecer sua mente.
Começou a planejar. Pegou sua agenda de telefones e marcou as pessoas que poderiam lhe dar emprego. Se o Renato achou que ela continuaria ali, se vendendo dessa forma humilhante, ele estava enganado. Ela sairia de casa, arrumaria sua vida e cuspiria na cara dele todas as coisas que ele havia feito ela engolir nos últimos anos, inclusive sua própria porra, que ela era obrigada a provar noite após noite.
Ela faria isso, sairia de casa, arrumaria um emprego naquele jornal e moraria numa quitinete, nos primeiros meses seria difícil, mas sua mãe ajudaria um pouco nas contas. Sua mãe? É claro que não. Que idéia mais estapafúrdia! Sua mãe nunca lhe daria um centavo furado, ainda mais sabendo que ela abandonou a única “segurança” que ela tinha, que era o Renato.
Mas não haveria problema algum. Ela conseguiria se virar de qualquer jeito, ela era decidida, forte, talentosa e pessoas assim vencem na vida.
Abriu outra garrafa e enquanto bebia foi traçando seus planos de sucesso. Em pouco mais de cinco meses ela já teria grana suficiente pra ter até um lugar próprio!


Enquanto isso Renato tomava seu uísque caro e pensava o que levar dessa vez para acalmá-la. Jóias? Não, ela não gosta muito. Uma viagem? Não, ela gosta de escrever em casa nessa época do ano. Livros? É. Uma boa idéia. Ela queria uma coleção nova, e ele havia prometido dar.
O pior de tudo aquilo era que aquela vaca maluca era boa. Ela escrevia bem, fodia bem, chupava bem e ainda por cima era bonita. Ela o enlouquecia, mas valia a pena, era um troféu muito valioso.
A tarde foi passando assim, rápida demais pra ela e devagar demais pra ele e a despeito da sensação de tempo pessoal de ambos a noite chegou e com ela chegou Renato em casa.
Caminhou devagar, cuidadoso, não queria nenhum prato voando em sua direção, passou pela sala e quando chegou à cozinha deu um sorriso satisfeito ao ver que ela estava limpa e arrumada, isso só podia significar que ela havia se acalmado.
Entrou no quarto manso e entregou a ela os livros, ela estava pálida, sempre ficava assim depois de uma briga, mas mesmo assim aceitou o presente com a resignação mais sincera que lhe era possível.


Ela havia contado tudo para as paredes, e por mais que se exasperasse, elas não lhe davam ouvidos, ninguém a ajudava com uma solução. A tarde foi passando, voando rapidamente e com ela o efeito do álcool, sem o álcool ela só tinha a realidade. E a realidade era que ela precisava daquele filho da puta. Ela não tinha dinheiro e não conseguiria se sustentar na rua nem por uma semana.
Isso foi mais do que uma facada, mais do que um soco na sua auto estima. Ela não conseguiria sozinha. Fato. Sem ter pra onde correr arrumou a cozinha e ficou no quarto esperando Renato chegar.
Ela usava meias calças, cinta liga, um coque que deixava alguns fios pendentes na nuca e um batom carmim. Estava de salto também. Acendeu um cigarro e com a outra mão bebeu do vinho. Não demorou muito pra que ele chegasse. Tinha dinheiro na mão e também aquela cara asquerosa de comprador de carne humana.
Ela sorriu forçosamente e lhe enlaçou num abraço. Ele lhe deu tapinhas na bunda e lhe chamou de “gostosa” próximo ao ouvido. Tirou-lhe o sutiã e deixou o dinheiro sobre o criado-mudo. Pegou-lhe pelas pernas.
Foi rápido. Ela acordou logo desse devaneio e com um suspiro viu que não estava vestida daquela forma. Não era esse tipo de prostituta. Renato se sentou e pediu algo parecido com desculpas, ela sorriu e assentiu com a cabeça, ele lhe afagou os cabelos e ela já sabia o que viria.
Ele abriu as calças e ela foi se ajeitando na posição preferida dele, só pôde ouvir um “boa menina” antes de se afogar em lágrimas e no resto. Não importava o cenário, se vender era uma questão de necessidade.