3.12.2008

Cogumelos na Janela

_ Vamos continuar tentando, meu bem.
_ Vamos sim. Não é?
_ Claro.
O céu rosáceo. As gotas negras da chuva que ao caírem sobre o rosto pareciam o lápis de olho manchado, derretido de tanto chorar – quantos olhos deveria ter para abrigar tantas manchas? – brincadeiras zunindo ao pé do ouvido, que descalço, roçava os dedos na terra suja. Aqueles lá não eram eles, muito doces, derretendo na chuva.
_ Não consigo mais escrever. Acho que perdi meu talento.
_ Mas minha querida, você nunca o teve.
Silêncio histérico de alto-falante. Zumbidos adocicados daquela festinha nonsense que deram ontem à tarde. O tiro cortando o ar à lá Matrix.
_ Você é mesmo um idiota.
_ E você é frígida!
Merda jogada no ventilador, se espalhando pra todo lado, todo mundo vendo. Merda! Os podres assim expostos dão na gente uma vontade louca de rir descontroladamente, um pânico crescente. Ele tinha que ser assim tão duro?
_ Vem, vamos fazer sexo.
_ Não quero, sou frígida.
_ É mesmo, mas quem tem que gozar sou eu, não você.
Filho da puta. Soquei sua cara com força. Vi o sangue na minha mão. Ele sorriu, sangrando por fora e satisfeito por dentro.
_ Sempre me deu tesão te ver assim irritada.
Queria me acordar do torpor, dizia. Antes com raiva do que com sentimento nenhum. Eu só queria amá-lo com desespero. Sorver sua boca, tomar sua saliva como se fosse água na ressaca: necessária.
_ Toma, cheira.
_ Não quero usar essa porra, já te disse. Eu não sou assim.
_ Ah é, além de não gozar, você também não usa nada que te deixe alta. Putz, você é um pé no saco.
_ Ah vai se fuder, seu viadinho.
Me acordar assim dessa forma escrota. Cogumelos nascendo na nossa janela. Eu tomando seu sangue no meu copo de vinho. Nosso pacto inquebrável. Minha dor, seu prazer. Seu prazer, meu amor.
_ Eu vou ter que te matar.
_ Por que?
_ Pra provar que você é um sonho ou um pesadelo, sei lá.
_ Se você quiser eu vou embora. Saio por essa porta e levo meus livros comigo.
_ Se você for, os livros ficam. Eles pelos menos me fizeram gozar.
Se emputeceu. Eu não sou frígida. Você que é ruim de cama. Me deu um tapa na cara com as costas da mão. Saiu, bateu a porta. Não voltou nunca mais. Os livros ficaram.

Um comentário:

Unknown disse...

Esse já não fez muito meu gênero, mas é bom,bem escrito...mas gosto quando vc fala mais nas entrelinhas.(LGonzaga)